Shorto, que tem duas filhas, foi surpreendido pela transferência, para sua conta, do equivalente a 665 dólares por trimestre. Foi procurar na internet o nome do pagador: Banco de Seguridade Social. Lá estava a explicação: o governo holandês prevê o benefício para ajudar no custo do cuidados com os filhos até que completem 18 anos.
Recentemente, o escritor notou com agradável confusão a chegada de dois outros pagamentos, de 316 euros cada. Foi aprovada uma lei que garante o auxílio na compra do material escolar. O Estado também reembolsa até 70% do custo com creche, num total de cerca de 14 mil dólares por criança anualmente.
Pasmem, o mais impressionante ainda está por vir. No final de maio do ano passado, apareceu um inesperado depósito do equivalente a 4.265 dólares na conta de Shorto. Na descrição, o termo “dinheiro para férias”. Acontece que os desempregados também recebem a transferência do governo pouco antes do verão. A explicação: quem não consegue sair de férias fica deprimido e desapontado e nunca vai conseguir um emprego.
A Holanda tem ainda um sistema universal de saúde pública. O bem-estar social começa com o pré-natal e o parto pode ser feito em casa, caso a mãe deseje. Nos próximos sete dias, durante cinco horas, é oferecida uma assistência doméstica, em que um funcionário vai à sua casa, lava roupa, faz a limpeza e te ensina a cuidar do recém-nascido.
Um estudo da Unicef, em 2007, sobre o bem-estar das crianças em 21 países desenvolvidos, revela os resultados de tais políticas: as crianças holandesas estão no topo da lista.
Para finalizar, um terço das moradias no país são habitações sociais, ou seja, têm aluguéis mais baratos que a média do mercado. Algumas pessoas permanecem nas residências depois de se tornarem profissionais bem-sucedidos. A mistura de níveis de renda nessas unidades é vista com bons olhos. As propriedades não são do governo, mas de cooperativas que não visam ao lucro, mas se pagam.
Para o escritor, o país não é perfeito. Em um fim de tarde de domingo, por exemplo, não se encontra um café ou uma livraria aberta. Movimentos de trabalhadores e da Igreja resultaram em políticas de restrição às horas de trabalho. Shorto desafia o leitor a encontrar qualquer comércio aberto 24 horas no país. Para ele, as pessoas parecem tornar-se escravas do consenso e da conformidade e há uma tendência cultural para não sobressair, não se arriscar.
Há, entretanto, uma face de mercado forte no país, pioneiro em corporações multinacionais. No ano passado, os holandeses foram os terceiros maiores investidores nas empresas dos EUA.
Shorto questiona se o modelo holandês poderia ser estendido para outros países. Ele encontra as raízes para tal sistema na religiosidade da população e na história do país. O modelo coletivo surge na batalha contra a água, já que a maior parte das terras está abaixo do nível do mar. Para bombear água dos terrenos sem inundar propriedades vizinhas, era preciso que tudo fose feito em comum acordo.
Assim, o sistema holandês, para o autor, não seria construído sobre ideologia política, mas sobre valores religiosos e uma tradição de cooperação. Sendo assim, será que seria possível estendê-lo para uma sociedade mais heterogênea?
De qualquer forma, Shorto ressalta que algo parece ser ignorado quando os americanos julgam o sistema europeu de bem-estar social: ele não é necessariamente financiado pelo Estado. Essas sociedades combinam várias entidades, como indivíduos, empresas, governos, instituições não-governamentais, em um esforço para equilibrar liberdade individual e seguridade social. Segundo Shorto, a crença real dos holandeses não é no governo, mas na sociedade.
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