quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Deseconomia do Trânsito Recifense


Jorge Jatobá*

Andar de carro em Recife e na maioria das grandes cidades brasileiras virou um inferno, sendo fonte de stress, violência e de custos privados e sociais medidos pelo gasto excessivo de combustível, desgaste do veículo, poluição do ar e sonora e danos à saúde do motorista e dos pedestres sem falar nas perdas patrimoniais e emocionais decorrentes dos acidentes. O automóvel particular se constitui no espaço privado que mal compartilha a via pública entre um número crescente (105% em cinco anos) de motoqueiros apressados e mal educados, ônibus, táxis, carroças puxadas por homens e/ou cavalos, ambulâncias, carros de polícia, veículos de entrega e ciclistas. Todos buscam ansiosamente chegarem aos seus destinos através de vias estreitas, esburacadas, precariamente pavimentadas e mal sinalizadas. Enfim, hoje existem 32 veículos para cada 100 brasileiros. A maior parte dos veículos particulares leva apenas uma pessoa e não encontra dificuldades com a fiscalização, quase sempre ausente da CTTU, se praticar qualquer infração.

O transporte público, por sua vez, é pouco freqüente, inseguro e desconfortável, ou seja, irregular e de má qualidade. Os parcos investimentos em transporte público de massa, como o nosso limitado metrô de superfície, levam muitos anos para maturar, desafiando a paciência do cidadão e multiplicando os custos das obras e das desapropriações com relação à orçamentação original.

O transporte coletivo-não importando se propriedade do Estado ou não - se constitui no espaço do público que usa a via pública. Deveria ser prioritário, mas não o é. Do ponto de vista do bem estar social o transporte público é a melhor alternativa, quer seja feito através de ônibus, metrô, transporte leve sobre trilhos ou por meio de trem, barcos, trolleys, etc. No entanto, em Recife bem como no país o investimento em transporte público e na adequação da infra-estrutura viária para esse modo de deslocamento é de pouca importância na agenda e no orçamento do poder público. O desleixo reflete-se em situações inexplicáveis do ponto de vista do planejamento como a de executar o alargamento do Viaduto da Ilha Joana Bezerra sem atentar para o fato que por baixo passa uma linha de metrô.

O aumento da frota de automóveis (40% em cinco anos) incentivada pelo Governo cria externalidades negativas. Nesse caso, o aumento do PIB decorrente da maior produção de automóveis não melhora necessariamente a qualidade de vida. Em certas dimensões, pode até piorá-la. Um pouco mais de quatro quintos da população brasileira vive nas cidades e um quarto desse contingente reside e trabalha em cidades com mais de um milhão de habitantes. Oferecer transporte coletivo de qualidade e as respectivas condições viárias é essencial para melhorar o bem estar das pessoas, reduzindo o tempo em trânsito da residência para os locais de trabalho, educação e lazer e vice versa.

A questão da utilização do automóvel e os requisitos viários para seu uso nos remetem ao conceito do que é o espaço do público e do privado. Em sociedades democráticas e participativas o respeito pelo que é público é hegemônico. Está na hora de o poder estatal em todas as esferas destinar mais recursos para a melhoria da infra-estrutura de transporte urbano-metropolitano e para melhorar a acessibilidade do cidadão aos locais de residência, trabalho, educação e lazer. Mais recursos e melhor gerência são necessários, mas não são suficientes. Os governos poderiam regular o fluxo de transporte individual implantando rodízios, elevando os custos de estacionamento nas zonas criticas das cidades e até mesmo limitando a circulação de veículos particulares em áreas de alta densidade de trânsito. A melhor forma de viabilizar tais medidas é pela imposição de multas ao cidadão que não obedeça ao ordenamento estabelecido, transformando, assim, custo social em privado para que a sociedade se beneficie do automóvel sem se tornar mais uma de suas vitimas.


Fonte: Revista Algo Mais, Ano 05 - Nº 52 - Agosto de 2010.

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